Precedentes: Período de Transição (1808-1836)
Simultaneamente ao final das últimas produções do movimento árcade,
ocorreu a vinda da Família Real portuguesa para o Brasil. Esse
acontecimento, no ano de 1808, significou o início do processo de Independência
da Colônia. O período compreendido entre 1808 e 1836 é considerado de transição
na literatura brasileira devido à transferência do poder de Portugal para as
terras brasileiras que trouxe consigo, além da corte e da realeza, as novidades
e modelos literários do Velho Continente nos moldes franceses e ingleses. Houve
também a mudança de foco artístico e cultural, da Bahia para o Rio de Janeiro,
capital da colônia desde o ano de 1763.
Segundo o crítico literário Antônio Cândido, no livro Noções de
Análise Histórico-literária:
"No
Brasil não havia universidades, nem tipografias, nem periódicos. Além da
primária, a instrução se limitava à formação de clérigos e ao nível que hoje
chamamos secundário, as bibliotecas eram poucas e limitadas aos conventos, o
teatro era paupérrimo, e muito fraco o intercâmbio entre os núcleos povoados
do país, sendo dificílima a entrada de livros."
|
O que explica o desenvolvimento literário incipiente, se comparado com o
mesmo período na metrópole. Os autores vistos até então eram produto da
educação europeia e/ou religiosa que receberam.
Com a vinda da Família Real, os livros puderam ser impressos no
território, em função da Imprensa Régia, derrubando a medida que proibia
sua impressão e difusão sem a autorização prévia de Portugal, dando início não
apenas ao desenvolvimento da literatura mas, também, a um sentimento de
nacionalidade no território, uma das principais características do período
romântico brasileiro.
Contexto Histórico na Europa
O final do século XVIII presenciou a ascensão da tipografia,
inventada pelo alemão Johannes Gutenberg, que possibilitou o desenvolvimento da
impressão em grandes quantidades de jornais e romances. No início, os romances
eram publicados diariamente nos jornais de forma fragmentada, assim, a cada dia
um novo capítulo da história era revelado. Esse esquema, importado para a
colônia, ficou conhecido como "folhetim" ou "romance de
folhetim" e deu origem às telenovelas que conhecemos nos dias de hoje.
Assim, com a Revolução da Imprensa, uma das principais
características do período Moderno, houve também a ascensão dos romances
impressos, popularizando o artefato (o livro não era mais considerado um artigo
de luxo, inacessível) e proporcionando um largo alcance da literatura às
camadas inferiores da sociedade e também às mulheres, que raramente tinham
acesso às letras e, quando muito, eram alfabetizadas.
Considera-se o marco inicial do romantismo na Europa a publicação do
romance Os sofrimentos do jovem Werther, do escritor alemão Johann
Wolfgang von Goethe no ano de 1774. Historicamente, um dos marcos principais do
movimento foi a Revolução Francesa, responsável pela difusão dos pensamentos Iluministas
na Europa e nas suas colônias, que tanto inspirou os poetas árcades
brasileiros.
Com o
processo de industrialização dos grandes centros, houve um delineamento das
classes sociais: a burguesia, com riquezas provenientes do comércio, e os
operários das indústrias. Logo, a literatura do período foi produzida pela
classe dominante e para a classe dominante, deixando claro qual a ideologia
defendida por seus autores.
Contexto Histórico no Brasil
Considera-se que o período romântico no Brasil inicia em 1836, com a
publicação da obra Suspiros Poéticos e Saudades, do poeta Gonçalves de
Magalhães e vai até o ano de 1881, com a publicação do romance realista Memórias
Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis.
Como dito anteriormente, o desenvolvimento da literatura brasileira
propriamente dita aconteceu a partir da vinda da Família Real para o Rio de
Janeiro que gerou um forte desenvolvimento artístico e cultural na colônia,
agora afinado com a produção literária europeia. Porém, a insatisfação das
classes dominantes com o Império fez com que surgissem tentativas de
independência da metrópole, produzindo um sentimento de nacionalismo que
culminaria com a Declaração da Independência, em 1822, por Dom Pedro I.
Outro aspecto importante é com relação à escravidão dos negros: o Brasil
era uma das poucas colônias americanas que ainda sustentava o sistema econômico
baseado do trabalho escravo, o que gerou opiniões controversas por parte dos
autores daquela época. Temos expressões literárias abolicionistas (p. ex.: o
poeta Gonçalves de Magalhães) e outras que tratavam do tema superficialmente
(p. ex.: o romancista Bernardo Guimarães) ou sequer tocavam na questão.
A independência das colônias latino-americanas impulsionou um sentimento
de nacionalidade diretamente refletida pela literatura. A formação dessas
literaturas esteve a cargo de autores que projetavam os ideais de uma nação em
crescimento e desenvolvimento e que até hoje são considerados constitutivos da
história da nação. No entanto, essa literatura fundacional e canônica da
América Latina é revista por muitos professores, críticos literários e
historiadores, pois apresentam apenas uma visão referente à formação das nações
latino-americanas. Como assinala o professor e crítico literário Eduardo F.
Coutinho:
"Na
América Latina, durante o século XIX, o sujeito enunciador do discurso
fundador do estado-nação tomou como base um projeto patriarcal e elitista,
que excluiu não só a mulher, mas índios, negros, analfabetos e, em muitos
casos, aqueles que não possuíam nenhum tipo de propriedade. A preocupação
dominante era marcar a diferença da nova nação com relação à matriz
colonizadora, mas o modelo era obvia e paradoxalmente a metrópole; daí a
necessidade de forjar-se uma homogeneidade que excluísse todas as
diferenças."
|
O que causa uma sensação de estranhamento é o paradoxo observado no
período: ao mesmo tempo em que ideias sobre o sentimento de nacionalidade
aflorava nos corações dos brasileiros (e demais latino-americanos), parte da
população permanecia na miséria e/ou em situações de escravidão, sem acesso à
emancipação e aos direitos humanos básicos.
Principais
Características do Período Romântico
"Em cada país o romantismo produziu uma nova literatura exuberante
com imensas variações entre seus autores porém, em todos eles, persistem
algumas características em comum: opulência e liberdade, devoção ao
individualismo, confiança na bondade da natureza e no homem "natural"
e na fé permanente nas fontes ilimitadas do espírito e da imaginação
humanos."
- Bradley, Beatty e Long
O romantismo
floresceu na Alemanha (Goethe e Schlegel), na França
(Madame de Stäel e Chateaubriand) e na Inglaterra (Coleridge e
Wordsworth), como resposta aos modelos pretendidos pelos Iluministas, que
privilegiavam o racional e o objetivo, em detrimento do emocional e da
subjetividade.
Houve,
no período, o desenvolvimento da chamada poesia ultrarromântica,
dos romances
(novels)
e dos romances históricos
(romances).
Tanto
a prosa quanto a poesia foram amplamente difundidos no período. Porém, com a ascensão
da imprensa e da burguesia comercial, os romances e os periódicos foram
ganhando cada vez mais espaço e se popularizaram a ponto de atingir um novo
público leitor que até então não tinha acesso à literatura.
Há uma diferença
significativa com relação aos padrões poéticos vistos até então no Arcadismo,
que se assemelhavam à estrutura camoniana e eram inspirados nas obras
greco-romanas. O verso clássico deu espaço ao verso livre,
aquele sem métrica e sem entonação, e ao verso branco, sem
rima, que possibilitou uma maior liberdade de criação do poeta romântico, agora
livre para expressar sua individualidade.
Os temas
principais da poesia romântica giram em torno do sentimento de nacionalidade
surgido a partir novo do contexto histórico e cultural. A nova pátria, com a
declaração da independência, manifestava-se através da exaltação da natureza do
país, no retorno ao passado histórico e na criação dos heróis nacionais.
A
hipervalorização dos sentimentos e das emoções
pessoais (angústias, tristezas, paixões, felicidades etc.) também é
característica do movimento, que pressupunha uma olhada para o interior do
artista e de suas emoções, em detrimento do racional e do objetivo iluminista.
Esse sentimentalismo exagerado está refletido nos enredos que, em sua maioria,
consistem em histórias de amor ou, quando este não é o mote
principal, em histórias em que o amor e a paixão prevalecem.
A
individualidade como refúgio proporciona também a evasão para
mundos distantes como forma de escapar a sua realidade. Essa característica
está associada, principalmente, aos autores da chamada Geração
Mal-do-Século - autores acometidos pela tuberculose (a doença considerada
o mal do século XIX) - que almejavam uma vida de prazeres em países e
territórios distantes para escapar à dor e à morte.
O culto à natureza
ganha traços diferenciados no romantismo, pois, a partir de agora, passa a
funcionar não apenas como pano de fundo para as histórias, mas também, passa a
exercer profundo fascínio pelos artistas. Além disso, a natureza passa a entrar
em contato com o eu romântico, refletindo seus estados de espírito e
sentimentos.
Nos romances góticos,
surgidos no final do século XVII e desenvolvidos durante o século XIX, a
natureza tem um papel muitas vezes hostil e ameaçador na trama, responsável por
momentos de tensão. Com o passar do tempo, essa natureza transformou-se em um clichê
para histórias de terror na forma de cenários assustadores: noite, névoa,
pântanos, neve, árvores retorcidas etc.
Conceitos
importantes
a) Subjetivismo e Individualismo - glorificação
do que é particular e íntimo, dos sentimentos.
b) Patriarcalismo - o século XIX
também é conhecido por refletir em sua literatura canônica uma sociedade
conservadora e patriarcalista. Neste modelo, a família (homem, mulher e filhos)
é o núcleo da sociedade burguesa, cujo poder está centrado na figura do pai. Os
enredos giram basicamente em torno dela, de suas relações, seus costumes e seus
desejos.
Embora no Brasil
o modelo de sociedade patriarcal sempre esteve presente desde o início da
colonização, no Romantismo que uma explicitação desse modelo, pois ele fazia
parte do projeto nacional presente no século XIX, isto é, aparecia na
literatura como reflexo da ideologia dominante e para estabelecer os costumes
esperados na sociedade e destinados principalmente às mulheres.
Com o advento do
Realismo (movimento literário seguinte) muitos autores dedicam-se a criticar
este modelo e a retratar (da forma mais realista possível) as mazelas que se
encontravam por trás da família burguesa, como a submissão das mulheres, a
violência praticada contra esposas e filhas e a própria condição dessas
personagens, moedas de troca a fim de garantir a situação financeira das
famílias.
c) Eurocentrismo - com a
expansão mercantilista, a Europa se transformou na grande potência mundial
expandindo seus mercados para além do continente, espalhando sua visão de mundo
e acreditando na soberania dos países e no modo de pensar europeu. As consequências
causadas pelo choque cultural dos europeus com outras sociedades
(principalmente africanas, asiáticas e americanas) criou uma série de
estereótipos a respeito desses povos "bárbaros" e a ideia de que o
pensamento europeu seria civilizatório moldou as colônias e que foi refletida
através da história principalmente na literatura do século XIX.
d) Nacionalismo - com o desenvolvimento de uma
burguesia mercantil, os reinos europeus foram se dissolvendo e desenvolvendo,
inicialmente, uma ideia de organização política e cultural autônoma. Nas
colônias, o sentimento de nacionalidade surgiu como reação à política mercantil
restritiva das metrópoles e do desejo de liberdade econômica e política. No
Brasil, os escritores produziram obras importantes motivadas pelo ideal
nacionalista no sentido de delinear uma literatura que fosse considerada
brasileira e não mais submissa à colônia.
Primeira metade do século XIX
As primeiras manifestações do período romântico aconteceram em forma de
poesia. Suspiros poéticos e saudades, de Gonçalves de Magalhães inaugura
o movimento romântico no Brasil, no ano de 1836. Além disso, diversos outros
autores desenvolveram suas temáticas por meio da poesia, o que permitiu aos
críticos agruparem as manifestações literárias do gênero em três principais
gerações.
Primeira Geração Romântica: nacionalista ou
indianista
Nessa geração, os temas principais giram em torno da nova pátria, com
menções ao passado histórico do país. Também estão presentes temas como a
exaltação do índio, considerado o herói nacional por excelência, que deu nome à
geração. O mito do bom selvagem, do filósofo Rousseau é aqui traduzido na
figura do índio que, além de valente e defensor da sua terra, é livre e
incorruptível. Seus principais autores são Gonçalves de Magalhães, Gonçalves
Dias e Araújo Porto-Alegre.
Gonçalves de Magalhães (1811-1882)
Gonçalves de Magalhães nasceu em Niterói (RJ) em 1811 e faleceu em Roma,
onde exercia cargos diplomáticos, no ano de 1882.
Estudou Medicina e viajou para a Europa, onde exerce a função de
diplomata e passa a ter contato com a produção literária do velho continente e
funda, em Paris, a revista literária Niterói, revista brasiliense, um
dos marcos iniciais do movimento romântico no país.
Suspiros poéticos e saudades (1836)
inaugura o movimento com uma literatura ufanista, celebrando a nacionalidade e
também com temas religiosos, repudiando a estética clássica e a temática da
mitologia pagã (bastante expressiva no período anterior). Além da poesia lírica
voltada para o sentimentalismo, nacionalismo e religiosidade, Magalhães
escreveu a Confederação dos Tamoios (1856), poema em dez cantos,
inspirado nos poemas épicos, em que versa sobre a rebelião dos indígenas contra
os colonizadores portugueses ocorrida entre os anos de 1554 e 1567. Nele, o
poeta defende os índios como bravos guerreiros empenhados na defesa de sua
terra, o que denotaria um forte sentimento nacionalista embora, é claro, ainda
não houvesse oficialmente um país. Logo, os índios seriam os primeiros heróis
nacionais.
Veja um trecho
do poema:
Redobrando
de força, qual redobra
A
rapidez do corpo gravitante,
Vai
discorrendo, e achando em seu arcanos
Novas
respostas às razões ouvidas.
Mas a noilte
declina, e branda aragem
Começa
a refrescar. Do céu os lumes
Perdem
a nitidez desfalecendo.
Assim
já frouxo o Pensamento do índio,
Entre
a vigília e o sono vagueando,
Pouco
a pouco se olvida, e dorme, sonha,
Como
imóvel na casa entorpecida,
Clausurada
a crisálida recobra
Outra
vida em silêncio, e desenvolve
Essas
ligeiras asas com que um dia
Esvoaçará
nos ares perfumados,
Onde enquanto
reptil não se elevara;
Assim
a alma, no sono concentrada,
Nesse
mistério que chamamos sonho,
Preludiando
a vista do futuro,
A póstuma
visão preliba às vezes!
Faculdade
divina, inexplicável
A quem
só da matéria as leis conhece.
Saiba
Mais:
O escritor José de Alencar escreve, sob o pseudônimo Ig (referência à
índia Iguassú), uma série de críticas acerca do poema, de sua temática e da sua
composição:
Se me
perguntarem o que falta, de certo não saberei responder; falta um quer que
seja, essa riqueza de imagens, esse luxo da fantasia que forma na pintura, como
na poesia, o colorido do pensamento, os raios e as sombras, os claros e escuros
do quadro.
Alencar dizia também que o gênero épico não era compatível com a
literatura das Américas, principalmente do Brasil, uma nação ainda em
nascimento. Essa série de críticas resultou na publicação Cartas sobre a
Confederação dos Tamoios, em 1856, que deu projeção literária ao então
jornalista José de Alencar e contribuiu para que ele escrevesse seus principais
romances indianistas.
Gonçalves Dias (1823-1864)
Gonçalves Dias nasceu em Caxias (MA) em 1823 e morre em 1864, vítima do
naufrágio do navio Ville de Boulogne quando retornava da Europa para o Brasil.
Gonçalves Dias nasceu em Caxias, no Maranhão e, com quinze anos, vai a
Coimbra estudar Direito. Longe do Brasil, toma contato com poetas portugueses
que cultivavam a Idade Média. É considerado o primeiro poeta de fato brasileiro
por dar vazão aos sentimentos de um povo com relação à pátria.
Em 1843 escreve seu famoso poema Canção do Exílio, onde se
percebe algumas das principais características do Romantismo: saudosismo,
nacionalismo, exaltação da natureza, visão idealizada da pátria e
religiosidade. Veja:
Canção
do Exílio
Minha
terra tem palmeiras,
Onde
canta o Sabiá;
As
aves que aqui gorjeiam,
Não
gorjeiam como lá.
Nosso
céu tem mais estrelas,
Nossas
várzeas têm mais flores,
Nossas
flores têm mais vida,
Nossa
vida mais amores.
Em
cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer
encontro eu lá;
Minha
terra tem palmeiras,
Onde
canta o Sabiá.
Minha
terra tem primores,
Que
tais não encontro eu cá;
Em
cismar - sozinho, à noite –
Mais
prazer encontro eu lá;
Minha
terra tem palmeiras,
Onde
canta o Sabiá.
Não
permita Deus que eu morra
Sem
que eu volte para lá;
Sem
que desfrute os primores
Que
não encontro por cá;
Sem
qu'inda aviste as palmeiras,
Onde
canta o Sabiá.
Também fazem parte de seu trabalho à poesia indianista, representada
pelo conhecido I-Juca Pirama, e a poesia lírica, pelo poema Se
se morre de amor!
O poema I-Juca Pirama é dividido em dez cantos e conta a história
de um guerreiro tupi capturado pela tribo inimiga, os Timbiras. Como seu pai
estava velho e doente, o guerreiro chora e pede clemência à tribo para que sua
vida seja poupada e ele possa voltar à companhia do velho. Ao saber disso, o
pai, decepcionado, alega que seu filho é fraco e covarde por não ter aceitado
seu destino de morrer lutando como um verdadeiro guerreiro nas mãos da tribo
inimiga.
Veja abaixo
um trecho do poema indianista:
No
meio das tabas de amenos verdores,
Cercadas
de troncos — cobertos de flores,
Alteiam-se
os tetos d’altiva nação;
São
muitos seus filhos, nos ânimos fortes,
Temíveis
na guerra, que em densas coortes
Assombram
das matas a imensa extensão.
São
rudos, severos, sedentos de glória,
Já
prélios incitam, já cantam vitória,
Já meigos
atendem à voz do cantor:
São
todos Timbiras, guerreiros valentes!
Seu nome
lá voa na boca das gentes,
Condão
de prodígios, de glória e terror!
(...)
Da
tribo pujante,
Que
agora anda errante
Por
fado inconstante,
Guerreiros,
nasci;
Sou
bravo, sou forte,
Sou
filho do Norte;
Meu
canto de morte,
Guerreiros,
ouvi.
(...)
Eu era
o seu guia
Na
noite sombria,
A só
alegria
Que Deus
lhe deixou:
Em mim
se apoiava,
Em mim
se firmava,
Em mim
descansava,
Que
filho lhe sou.
(...)
"Tu
choraste em presença da morte?
Na presença
de estranhos choraste?
Não
descende o cobarde do forte;
Pois
choraste, meu filho não és!
Possas
tu, descendente maldito
De uma
tribo de nobres guerreiros,
Implorando
cruéis forasteiros,
Seres
presa de vis Aimorés.
(...)
"Um
amigo não tenhas piedoso
Que o
teu corpo na terra embalsame,
Pondo
em vaso d’argila cuidoso
Arco e
frecha e tacape a teus pés!
Sê
maldito, e sozinho na terra;
Pois
que a tanta vileza chegaste,
Que em
presença da morte choraste,
Tu,
cobarde, meu filho não és."
Saiba Mais:
O ritmo do
poema lembra o som de tambores, denotando o aspecto guerreiro das tribos indígenas
e criando um clima de tensão no enredo, acompanhando os acontecimentos da
relação entre o pai e o filho.
Segunda Geração Romântica: mal-do-século
Inspirados nas obras dos poetas Lord Byron, Goethe, Chateaubriand
e Alfred de Musset, os autores dessa geração também são conhecidos como
"byronianos". As principais características da geração são: o
individualismo, egocentrismo, negativismo, dúvida, desilusão, tédio e
sentimentos relacionados à fuga da realidade, que caracterizam o chamado ultrarromantismo.
São temas recorrentes nas obras dos autores da segunda geração: a idealização
da infância, a representação das mulheres virgens sonhadas e a exaltação da
morte. Seus principais poetas são Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu,
Junqueira Freire e Fagundes Varela.
Quem
foi...
Lord
Byron (1788 - 1824)
George
Gordon Byron foi um poeta romântico inglês que influenciou toda uma geração
de escritores com sua poesia ultrarromântica. A ele estão associados termos
como o spleen, que significa tédio, mau humor e melancolia, geralmente
causados por amores não correspondidos ou pela descrença na vida em razão da
aproximação da morte, temáticas comuns na poesia ultrarromântica.
De família
aristocrática (porém, com dívidas), passava a vida a escrever poesia e a
gastar dinheiro, vivendo no ócio. Suas principais obras são Horas de Lazer
(1870), A Peregrinação de Childe Harrold (1812-1818) e Don Juan
(1819-1824).
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Álvares de Azevedo (1831 - 1852)
Álvares de Azevedo nasceu em São Paulo em 1831 e faleceu, vítima da
tuberculose, em 1852.
Poeta romântico por excelência, Álvares de Azevedo nasceu em São Paulo e
estudou na Faculdade de Direito, porém, não chegou a concluir o curso. Faleceu
jovem, aos 21 anos, vítima da tuberculose e da infecção resultante de um
acidente de cavalo. A partir de então, desenvolveu verdadeira fixação com a
própria morte, escrevendo a respeito da passagem do tempo, do sentido da vida e
do amor - esse último, jamais realizado.
Seu livro de poesias, Lira dos Vinte Anos (publicada postumamente
em 1853), carrega consigo a melancolia de um poeta empenhado em expressar seus
sentimentos mais profundos. O conjunto de poesias também evidencia um poeta
sensível, imaginativo e harmonioso.
Pode-se dizer que sua obra possui características góticas, pois
retratam paisagens sombrias, donzelas em perigo, personagens misteriosas,
envoltas em vultos e véus entre outros.
A frustração presente em sua obra é amenizada apenas através da
lembrança da mãe e da irmã. Além disso, a perspectiva da morte, apesar de
assustadora, traz conforto por saber que cessará a dor física causada pela
doença e pelos sofrimentos amorosos do poeta. Veja no poema abaixo:
Se eu
morresse amanhã!
Se eu
morresse amanhã, viria ao menos
Fechar
meus olhos minha triste irmã;
Minha
mãe de saudades morreria
Se eu morresse
amanhã!
Quanta
glória pressinto em meu futuro!
Que
aurora de porvir e que amanhã!
Eu
pendera chorando essas coroas
Se eu
morresse amanhã!
Que sol! que céu azul! que dove n'alma
Acorda
a natureza mais loucã!
Não me
batera tanto amor no peito,
Se eu
morresse amanhã!
Mas
essa dor da vida que devora
A ânsia
de glória, o dolorido afã...
A dor
no peito emudecera ao menos
Se eu
morresse amanhã!
Além de poeta, Álvares de Azevedo produziu a peça de teatro Macário
(1852), escrita após haver sonhado com o diabo. A peça conta a história de um
personagem que, em uma viagem de estudos, faz amizade com um desconhecido e descobre
ser ninguém mais, ninguém menos que o próprio satã. Não há menções sobre o nome
da cidade em que eles se encontram, porém, há referências diretas à cidade de
São Paulo. Assim, o poeta aproveita para fazer uma crítica à devassidão na qual
a cidade estava imersa.
Azevedo também escreveu um romance chamado Noite na Taverna
(publicada postumamente em 1855), uma narrativa composta por cinco histórias
paralelas sobre cinco homens que relatam, em um bar, histórias de terror
vivenciadas pelos mesmos. São eles: Solfieri, Bertram, Gennaro, Claudius
Hermann e Johann. Os nomes são claramente europeus e fazem referência aos
romances românticos produzidos naquele continente (especialmente os italianos e
os alemães), bem como sua temática macabra, inspirada nos romances góticos.
Casimiro de Abreu (1839 - 1860)
Casimiro de Abreu nasceu em Capivary (RJ) em 1839. Faleceu na cidade de
Nova Friburgo no ano de 1860.
Nasceu em Capivary (RJ) e aos quatorze anos embarcou com o pai para
Portugal, onde escreveu a maior parte de sua obra, em que denota a saudade da
família e da terra nativa. Poeta da segunda geração romântica, Casimiro
escreveu poemas onde o sentimento nativista e a busca pela inocência da
infância estão presentes. Pertenceu, graças à amizade com Machado de Assis, à
então recém fundada Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira de número
seis. Vítima da tuberculose faleceu na cidade de Nova Friburgo (RJ).
Os aspectos formais de sua obra são considerados fracos, porém, sua
temática revela grande importância no desenvolvimento da poesia romântica para
as letras brasileiras. Sua linguagem simples, acompanhada por um ritmo fácil,
rima pobre e repetitiva revelam um poeta empenhado na expressão dos sentimentos
saudosistas com relação à pátria e à infância. Essa última, em tom de profunda
nostalgia, revela um tempo em que a vida era mais prazerosa, junto à natureza e
longe dos afazeres e das responsabilidades da vida adulta.
Sua produção poética está reunida no volume As primaveras (1859)
cujo poema mais conhecido é Meus oito anos, em que o poeta canta a
saudade da infância vivida:
Meus
oito anos
Oh que
saudades que tenho
Da
aurora da minha vida,
Da
minha infância querida
Que os
anos não trazem mais
Que
amor, que sonhos, que flores,
Naquelas
tardes fagueiras,
A
sombra das bananeiras,
Debaixo
dos laranjais.
Como
são belos os dias
Do
despontar da existência
Respira
a alma inocência,
Como
perfume a flor;
O mar
é lago sereno,
O céu
um manto azulado,
O
mundo um sonho dourado,
A vida
um hino de amor!
(...)
Saiba
Mais:
O poema Meus
oito anos é um dos mais populares da literatura brasileira, sendo parodiado
por diversos autores, principalmente pelos poetas do período conhecido como
Modernismo.
Terceira geração romântica: condoeira
A terceira geração romântica é caracterizada pela poesia libertária
influenciada, principalmente, pela obra político-social do escritor e poeta
francês Victor Hugo, que originou a expressão "geração hugoana". Além
disso, a ave símbolo da geração é o condor, ave que habita o alto das
cordilheiras dos Andes, e que representa a liberdade daí o nome da geração ser condoeira.
A poesia dessa geração é combativa e prima pela denúncia das condições dos
escravos, decorrência do sistema econômico brasileiro, baseado no trabalho
escravo. Os poetas dessa geração também clamam por uma poesia social em que a
humanidade trabalhe por igualdade, justiça e liberdade.
Seus
principais autores são Castro Alves e Sousândrade.
Castro Alves (1847 - 1871)
Nasceu em
Curralinho e faleceu em Salvador (ambas na Bahia) em decorrência da tuberculose
e de uma infecção no pé causada por acidente em uma caçada.
"Castro
Alves do Brasil, hoje que o teu livro puro
torna
a nascer para a terra livre,
deixa
a mim, poeta da nossa América,
coroar
a tua cabeça com os louros do povo.
Tua
voz uniu-se à eterna e alta voz dos homens.
Cantaste
bem. Cantaste como se deve cantar." -Pablo
Neruda
Nasceu em Curralinho e faleceu em Salvador (ambas na Bahia) em
decorrência da tuberculose e de uma infecção no pé causada por acidente em uma
caçada. Considerado um dos poetas brasileiros mais brilhantes, Castro Alves tem
sua obra dividida em duas grandes temáticas: poesia lírico-amorosa e a poesia
social e das causas humanas.
Começou a escrever cedo e aos dezessete anos já tinha seus primeiros
poemas e peças declamados e encenados. Aos vinte e um já havia conseguido a
consagração entre os maiores escritores daquele tempo, como José de Alencar e
Machado de Assis. É o patrono número sete da Academia Brasileira de Letras.
Uma das principais características de sua obra é a eloquência, a
utilização de hipérboles, de antíteses, de metáforas, comparações grandiosas e
diversas figuras de linguagem, além da sugestão de imagens e do apelo auditivo.
O poeta também faz referência a diversos fatos históricos ocorridos no país,
tais como a Independência da Bahia, a Inconfidência Mineira (presente na peça O
Gonzaga ou a Revolução de Minas).
Diferentemente dos poetas da primeira geração, individualistas e
preocupados com a expressão dos próprios sentimentos, Castro Alves demonstra
preocupação com os problema sociais presentes na sua época. Demonstra também um
certo questionamento aos ideais de nacionalidade, pois, de que adiantava louvar
um país cuja economia estava baseada na exploração de sua população (mais
especificamente dos índios e dos negros)?
A visão do poeta demonstra paixão e fulgor pela vida, diferentemente dos
poetas ultrarromânticos da geração precedente.
Seus
trabalhos mais importantes são:
a)
poesia lírico-amorosa: a poesia lírico-amorosa
está associada ao período em que o poeta esteve envolvido com a atriz
portuguesa Eugênia Câmara. Assim, a virgem idealizada dá lugar a uma mulher de
carne e osso e sensualizada. No entanto, o poeta ainda é um jovem inocente e
terno em face a sua amada corporificada e cheia de desejo.
Seus poemas
mais famosos dessa fase estão presentes em sua primeira publicação, Espumas
Flutuantes (1870), conjunto de 53 poemas que versam sobre a transitoriedade
da vida frente à morte, sobre o amor no plano espiritual e físico, que apela
para o sentimental e para o sensual e sensorial. Além disso, o romance com a
atriz portuguesa acendeu no poeta o desejo de escrever sobre esperança e
desespero.
b)
poesia social: poeta da liberdade, Castro denuncia as desigualdades
sociais e a situação da escravidão no país, além de solidarizar-se com os
negros, que eram trazidos de modo precário dentro dos navios negreiros. Castro
clamava à natureza e às entidades divinas para que vissem a injustiça cometida
pelos homens sobre os homens e intervissem para que a viagem rumo ao Brasil
fosse interrompida.
Graças a sua
obra empenhada na denúncia das condições dos negros, ficou conhecido como
"o poeta dos escravos", por solidarizar-se com a situação dos que
aqui vinham e eram submetidos a todo tipo de trabalho em condições desumanas.
As obras mais
importantes dessa fase são:
Vozes
D'África: Navio Negreiro (1869)
A
Cachoeira de Paulo Afonso (1876)
Os
Escravos (1883)
Curiosidades:
(1) A poesia
de Castro Alves já demonstra aspectos, temáticas e tendências do movimento
chamado Realista, que "nega" os preceitos românticos embora sua obra
seja romântica.
(2) Em 1941 o
escritor baiano Jorge Amado escreveu o ABC de Castro Alves, uma biografia
sobre o poeta e sua obra. Há um trecho que exemplifica bem tanto a poesia
amorosa quando a poesia social do poeta baiano:
Este,
cuja história vou te contar, foi amado e amou muitas mulheres. Vieram brancas,
judias e mestiças, tímidas e afoitas, para os seus braços e para o seu leito.
Para uma, no entanto, guardou ele suas melhores palavras, as mais doces, as
mais ternas, as mais belas. Essa noiva tem um nome lindo, negra: Liberdade.
Sousândrade (1833 - 1902)
Joaquim de Sousa Andrade, mais conhecido como Sousândrade, nasceu e
faleceu no Maranhão, porém, viveu grande parte da sua vida entre o Brasil, a
Europa e os Estados Unidos.
Autor de vasta obra, seu trabalho
mais importante é fruto de suas viagens, responsáveis pelo contato com
realidades diferentes ao redor do mundo. O aspecto que mais o diferencia dos
outros poetas brasileiros é a originalidade da sua poesia, principalmente com
relação à ousadia de vocabulário com o uso de palavras em inglês e neologismos,
bem como de palavras indígenas. Além disso, a sonoridade dos poemas também
rompe com a métrica e com o ritmo tradicionais, o que despertou a atenção da
crítica literária do século XX.
Seu trabalho, então esquecido, foi resgatado na década de 1960 pela
crítica literária, principalmente pelos poetas Haroldo e Augusto de Campos,
responsáveis pela análise de sua obra.
Seu poema mais famoso é o Guesa Errante, escrito entre 1858 e
1888, composto por treze cantos e inspirado em uma lenda andina na qual um
adolescente, o Guesa, seria sacrificado em oferecimento aos deuses. O índio,
porém, consegue fugir e passa a morar em uma das maiores ruas de Nova York, a Wall
Street. Os sacerdotes que o perseguiam estão agora transformados em
capitalistas da grande cidade de Nova Iork e ainda querem o sangue do Guesa,
que vê o capitalismo consolidado como uma doença.
Dotada de
pinceladas autobiográficas, o Guesa Errante denuncia o drama dos povos
indígenas à exploração dos povos europeus.
Segunda metade do século XIX
O desenvolvimento da prosa no período romântico coincide com o
desenvolvimento do romance como um gênero novo que, no Brasil, chegou graças à
influência dos romances europeus e do surgimento dos jornais -- que publicavam,
diariamente, os folhetins, isto é, capítulos de histórias que compunham
um romance.
As primeiras manifestações no gênero estavam empenhadas na descrição dos
costumes da classe dominante na cidade do Rio de Janeiro, que agora vivia um
grande período de urbanização, e de algumas amenidades da vida no campo. Ou
então, apresentavam personagens selvagens, concebidos pela ideologia e
imaginação do período romântico como idealização do herói nacional por
excelência: o índio.
Cronologicamente, o primeiro romance romântico publicado no Brasil foi O
filho do pescador (1843), de Teixeira de Souza, porém, como o romance
apresenta enredo confuso e foi considerado pelo público como
"sentimentalóide", A Moreninha (1844), de Joaquim Manoel
Macedo, viria a ser considerado o primeiro romance efetivamente brasileiro por
receber uma maior aceitação do público e por definir as linhas dos romance
brasileiro.
Os principais autores do período são: Joaquim Manoel de Macedo, Manuel
Antônio de Almeida, José de Alencar e, constituindo o teatro nacional, Martins
Pena.
Autores:
Joaquim Manuel de Macedo (1820 - 1882)
É considerado um dos romancistas mais importantes do período por ter
inaugurado o romance romântico brasileiro, em termos de temática, estrutura e
desenvolvimento de enredo. Este último se desenvolve da seguinte maneira, com o
seguinte movimento: descrição do ambiente, surgimento de um conflito, resolução
do mistério e restabelecimento do ambiente pacífico inicial.
Seu principal romance é A Moreninha (1844), em que estão
representados os costumes da elite carioca da década de 1840, bem como suas
festas e tradições (viajar para o litoral era um costume das famílias
pertencentes à elite), e hábitos da juventude burguesa do Rio de Janeiro.
Ainda, segundo o professor Roger Rouffiax, "a fidelidade com que o
romancista descreveu os ambientes e costumes serviu como um documentário sobre
a vida urbana na capital do Império."
Outras obras do autor são O Moço Loiro (1845) e A Luneta
Mágica (1869).
Curiosidades:
(1) A
Moreninha é um exemplo de Metalinguagem, pois é um romance
supostamente escrito por um de seus personagens. A metalinguagem é
caracterizada pela propriedade que a língua tem de falar sobre si mesma e de
mesclar o que existe na ficção com a realidade.
(2) Muitos
dos aspectos encontrados no romance são considerados clichês nos dias de
hoje. Isto é, são situações e/ou frases que se tornaram lugar-comum na literatura
principalmente no que diz respeito às histórias de amor, criadas pelos
romancistas brasileiros cujos enredos sempre terminam em um final feliz.
Esse é um dos motivos pelo qual Joaquim Manoel Macedo é considerado o
fundador do romance brasileiro, por ter iniciado um gênero novo e incluído todo
um estilo e situações novas na literatura brasileira.
Manuel Antônio de Almeida (1830 - 1861)
Nascido e falecido no Rio de Janeiro, Manuel Antônio de Almeida foi um
importante fomentador das letras brasileiras. Seu romance mais famoso, Memórias
de um Sargento de Milícias, foi publicado em formato de folhetim entre os
anos de 1852 e 1853 no periódico Correio Mercantil do Rio de Janeiro. A
ideia para a composição do romance surgiu após ouvir as histórias de um colega
de jornal, um antigo sargento comandado pelo Major que inspirou o personagem
homônimo do livro.
O romance é uma obra inovadora para sua época pois rompe com o retrato
exclusivo da vida e dos hábitos da aristocracia para retratar o ambiente e a
linguagem do povo em sua simplicidade. Além disso, Leonardinho, o protagonista,
não é o protótipo do herói romântico, mas sim, um menino travesso que mais
tarde se transforma em um jovem pícaro, dado à vadiagem e à malandragem no
lugar de procurar uma ocupação.
O gênero picaresco
O gênero picaresco, na literatura, é caracterizado pela narrativa de um pícaro,
sinônimo para malandro. O personagem é, geralmente, um garoto inocente e puro
que é corrompido e desiludido à medida em que cresce e toma contato com a
realidade do mundo adulto. Nas suas origens espanholas e medievais, o
personagem sempre termina desiludido e adaptado às condições de um mundo na
miséria ou em um casamento que não lhe proporciona nenhum tipo de prazer. No
entanto, no romance brasileiro o "pícaro" Leonardinho difere um pouco
do espanhol por não ser um personagem tão inocente e por terminar feliz em sua
vida adulta e em seu casamento.
Se há tantas rupturas, o que faz de Manoel Antônio de Almeida um
escritor do romantismo brasileiro? Embora haja muitas convenções do romance
romântico em sua obra, tais como o tom irônico e satírico do narrador, o estilo
frouxo, a linguagem descuidada e o final feliz do romance, o livro inova por
envolve personagens das classes mais baixas da sociedade, o clero e a milícia
além de não idealizar seus personagens.
O compadre quer ver Leonardinho instruído pois quer vê-lo como padre ou
formado em Direito, diferentemente do romance pícaro original, em que os
protagonistas precisam fazer trabalhos manuais (geralmente nas posições mais
baixas como criado ou ajudante de cozinheiro) para garantir seu sustento. Além
disso, ao final do romance, ele casa com seu amor e recebe "cinco
heranças" sem precisar trabalhar para isso. O que faz de Leonardinho um
pícaro com características à parte e o transforma em mais um tipo brasileiro.
O romance é considerado por alguns teóricos como o primeiro romance
realmente de costumes brasileiro por retratar a sociedade em toda a sua
simplicidade e Manoel Antonio de Almeida é por vezes considerado um autor de
transição entre o Romantismo e o período seguinte, o Realismo. Além disso, o
autor traz para o enredo elementos que até então não eram retratados pelos
romancistas, como acampamentos de ciganos e bares frequentados pelas camadas
sociais mais baixas.
José de Alencar (1829 - 1877)
Primeiro escritor romântico a desenvolver o romance com temas mais
variados e abrangentes do que seus sucessores. Alencar empenhou-se em retratar
diversas esferas e incluir o maior número de tipos de personagens até então
vistos na literatura brasileira. Alencar não se contentou somente com a
sociedade burguesa carioca de seu tempo mas, também, empenhou-se nos tipos
brasileiros como o gaúcho e o sertanejo. Sua intenção era de retratar um painel
geral do país, de norte a sul, além de tentar estabelecer uma linguagem
brasileira.
Segundo o crítico José de Nicola em seu Literatura Brasileira: das
origens aos nossos dias (ed. Scipione, 2001), a obra de José de Alencar é
um retrato de suas condições políticas e sociais: grande proprietário de
terras, político e conservador, monarquista, nacionalista exagerado e
escravocrata. O romancista transparece essas posições em sua obra, como se pode
perceber na maneira como retrata os índios e a sexualidade feminina em seus
romances.
Os críticos costumam dividir em quatro as fases principais de sua
produção:
a)
urbana ou social: Cinco Minutos (1856), A viuvinha (1860), Lucíola
(1862), Diva (1864), A pata da gazela (1870), Sonhos d'ouro (1872), Senhora
(1875), Encarnação (1893);
As características principais dos
romances urbanos ou sociais são:
- final feliz ou ideal;
- prevalência do amor verdadeiro;
- protagonistas femininas (que refletem
um "ideal de feminilidade");
- retrato das relações familiares;
- ambiente doméstico;
- casamentos;
- questões financeiras (heranças, dotes,
títulos, falências...);
Os três romances mais conhecidos dessa
fase são: Lucíola (1862), Diva (1864) e Senhora
(1875) que fazem parte da chamada trilogia "perfis de mulheres". Eles
retratam uma sociedade elegante marcada pela ascensão da burguesia carioca
empenhada em seguir a moda das cidades europeias, mais notadamente de Paris, no
que diz respeito tanto às vestimentas quanto à vida cultural no período do
Segundo Reinado.
Os enredos, dramáticos, seguem uma
estrutura tradicional das histórias de amor: situação inicial - conflito/quebra
- reparação/solução. O drama quase sempre gira em torno de um jovem casal que precisa
enfrentar obstáculos sociais, geralmente envolvendo questões financeiras, se
quiserem ficar juntos.
b)
indianista: O Guarani (1857), Iracema (1865), Ubirajara
(1874);
Características principais:
- nacionalistas;
- exaltação da natureza;
- idealização do índio;
- temas históricos;
- resgate de lendas;
- índio como um herói, europeizado,
quase medieval;
- contato do índio com o europeu
colonizador;
Os romances mais conhecidos da fase são O
Guarani (1857), Iracema (1865) e Ubirajara (1874).
O Brasil, agora uma nação independente,
precisava definir seus heróis nacionais e os autores indianistas viam o índio
como o personagem ideal por este ser quem primeiro expressou amor às terras
brasileiras, defendendo seu território e seu povo contra os colonizadores
europeus. Outros autores, como o Padre Anchieta, Basílio da Gama e Gonçalves
Dias já haviam versado sobre a singularidade do índio brasileiro, porém, com o
desenvolvimento da prosa e a popularização dos romances de folhetins, Alencar
pôde não apenas criar histórias mas também desenvolver e difundir junto aos
seus leitores um sentimento de nacionalidade mais abrangente e que tocasse em
todos os seus leitores baseando-se nos heróis medievais europeus, símbolos de
honra e bravura.
c)
histórico: As Minas de Prata (1865), Guerra dos Mascates
(1873);
d)
regionalista: O gaúcho (1870), O Tronco do Ipê (1871), Til
(1872), O Sertanejo (1875);
Nesses romances, Alencar procurou dar
conta da diversidade brasileira e das regiões que se encontravam distantes da
corte e das principais cidades que receberam forte influência europeia. O autor
desejava cobrir os territórios de maneira a mostrar como a vida de seus
habitantes estava intimamente ligada ao meio físico no qual travavam contato.
Nesses romances, os homens recebem os
papéis de destaque, em detrimento das personagens femininas, diversamente
retratadas nos romances urbanos e sociais.
Porém, há controvérsias sobre o retrato
feito por Alencar de seus homens: quando trata do nordestino e do sertanejo,
Alencar consegue ser fiel à realidade por conhecer mais profundamente a região
e seus habitantes. Porém, quando retrata o gaúcho o autor incorre em uma série
de falhas, provenientes da falta de familiaridade com o tipo retratado e com a
distância que separava Alencar do sul do país.
Os romances mais conhecidos desta fase
são: O gaúcho (1870), O Tronco do Ipê (1871), Til
(1872) e O Sertanejo (1875);
Curiosidade: no ano de 1856 Alencar publica uma série de cartas em resposta ao
poema A Confederação dos Tamoios (1857), de Gonçalves de Magalhães. A
coletânea de oito cartas, pubilcada sob o título de Cartas sobre a
confederação dos tamoios pretendia criticar o poema de Magalhães que, na
época, era protegido do imperador Dom Pedro II. A crítica recai principalmente
no modelo escolhido por Magalhães para seu poema, o épico, um gênero clássico
que não seria adequado para cantar o índio brasileiro. Além disso, critica a
fraca musicalidade do poema, a falta de "arte" na descrição da
natureza brasileira e dos costumes indígenas. No ano seguinte (1857), Alencar
publica seu primeiro romance indianista, O Guarani como resposta ao
poema de Magalhães.
Demais autores do romantismo:
Embora menos
expressivos quando se trata do cânone literário brasileiro, os autores abaixo
são importantes pois também contribuíram para a produção literária do período.
São eles:
a) Bernardo Guimarães (1827 - 1884)
|
Seu livro
mais conhecido é A escrava Isaura (1875), romance com pretensões
abolicionistas que conta a história de Isaura, uma escrava branca, nobre e
educada que é perseguida por Leôncio, seu senhor, um homem marcado pelos
vícios sociais. A moça é salva pelo herói Álvaro, que a retira das garras do
vilão.
Embora
aborde a temática escravista, o romance mostra uma ideologia patriarcal, ao
retratar uma escrava branca e que segue a educação dos moldes da elite. A
questão dos escravos aparece de maneira superficial, não revelando a verdadeira
condição dos negros que eram submetidos ao sistema social escravista.
Escreveu
também outros romances, como O Seminarista (1872) e O Garimpeiro (1872).
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b) Maria Firmina dos Reis (1825 - 1917)
Com relação
à temática escravista, há outros romances na literatura brasileira que
abordam a questão com uma visão mais acurada da realidade vivida pelos
escravos, como é o caso do romance Úrsula (1859) de Maria Firmina dos
Reis, considerado o primeiro romance abolicionista da literatura brasileira.
Além disso, o romance é considerado o primeiro de autoria de uma
afrodescendente e o primeiro romance de autoria feminina de nossa literatura.
No entanto,
como as mulheres que se dedicavam à escrita eram vistas com preconceito pelos
olhos dos escritores (pois as Letras no Brasil sempre foram um território
predominantemente masculino), a autora se absteve de publicar Úrsula
com seu nome verdadeiro e optou por usar o pseudônimo "Uma
Maranhense".
Seu romance
pode ser considerado inovador pois pela primeria vez utiliza a prosa para as
denúncias de uma sociedade patriarcal sob o aspecto de suas principais
vítimas: a mulher e o negro. Diferentemente dos escritores do romantismo, que
denunciavam a mesquinhez das relações pessoais em uma sociedade burguesa
(como é o caso de José de Alencar), Maria Firmina dos Reis denuncia o que
estava por trás dessas relações, isto é, a dominação e a exploração das
mulheres e dos negros pelo marido e pelo senhor.
Educadora
preocupada com a literatura e com a educação, a autora também foi professora
e, depois de aposentada, fundou a primeira escola mista do estado. É
responsável por uma série de poemas e contos no periódico literário Semanário
Maranhense e em outros jornais, além do livro de poesias Cantos à beira-mar
(1871) e um diário, publicado somente em 1975 pelo historiador José
Nascimento Moraes Filho.
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Saiba
mais:
pseudônimo -- nome fictício utilizado por um autor ou uma autora para velar sua
verdadeira identidade. A prática era muito utilizada pelas mulheres que
resolviam "se aventurar" no terreno das Letras, porém, sem expor o
nome de seu marido e sua família pois a atividade da escrita pelas mulheres
era vista com preconceito pelos homens.
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c) Alfredo Taunay (1842 - 1899)
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Autor do
romance Inocência (1872), considerado um romance romântico
regionalista, Visconde de Taunay empenhou-se em descrever o cenário sertanejo
e a retratar a vida no campo. Inocência é uma moça que, por imposição do pai
autoritário, deve se casar com Manecão, um sertanejo bruto e negociante de
gado criado. A moça adoece e é salva por Cirino, estudante de farmácia, e os
dois se apaixonam, convergindo em um final trágico.
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d) Franklin Távora (1842 - 1888)
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Autor
também empenhado no retrato da realidade nordestina e do cangaceiro,
evidenciando a vida com as secas no sertão. Acredita que o Norte ainda tem
muito o que oferecer para a formação da literatura brasileira, tendo em vista
que, diferentemente do Sul do país, ainda não foi totalmente invadido, e
ainda possui muito o que ser explorado. O Cabeleira (1876), seu
romance mais famoso, trata do cangaceiro José Gomes (o Cabeleira). A
narrativa, embora com tons realistas e combativa, recai na estrutura
melodramática dos romances românticos. O Cabeleira, ao reencontrar seu amor
de infância, Luisinha, abandona sua vida de criminoso e dispõe-se a total
regeneração pelo amor da amada. A moça, porém, morre de uma enfermidade e o
cangaceiro acaba preso e enforcado na prisão.
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